terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Dacon: Uma Concessionária de Renome Nacional e Símbolo de Luxo, Status e Alto Desempenho no Brasil (Parte 1)

No post de hoje falaremos um pouco a respeito da extinta concessionária VW Dacon, que se localizava na Avenida Cidade Jardim esquina com a Avenida Faria Lima, em São Paulo. Além de ser concessionária VW, ela também era a representante oficial da Porsche aqui no Brasil, bem como vendia modelos da BMW, Citroën e Maserati. Exerceu também grande papel na cena automobilística brasileira, por meio de seus poderosos Karmann-Ghia Dacon, equipados com motorização Porsche, sem falar em modelos VW transformados pela empresa.

Em meados dos anos 1960, Paulo de Aguiar Goulart, comprou a Distribuidora de Automóveis, Caminhões e Ônibus Nacionais S.A. - DACON S.A. e, por meio desta empresa, tomou uma iniciativa muito ousada e inovadora já naquela época: em 1964, Paulo Goulart e Dilson Funaro, futuro ministro da Fazenda, importaram um motor boxer arrefecido a ar de Porsche 356 B Carrera, com capacidade cúbica de 1.584 cc, entregando potência de 120 cv, e por meio da Rampson, empresa do ramo de componentes de alumínio, montaram esse motor num Karmann-Ghia de propriedade de Paulo Goulart. Vendo uma nova expectativa de negócio, ambos começaram a fazer essa modificação em outros Karmann-Ghia, até que quando produziram a unidade de número 19, o campeão Chico Landi convenceu Paulo Goulart a inscrever um dos carros na categoria Protótipo nas 1.000 Milhas da Guanabara, prova esta realizada ainda em 1964 e vencida por este grande piloto. Não satisfeito, porém, em ser apenas mais um revendedor autorizado de automóveis VW, Paulo Goulart acabou alçando vôos mais altos, tornando-se também preparador, customizador e fabricante de carros com a sua própria marca. 

Em 1966, ele cria a Escuderia Dacon, para a qual preparou quatro Karmann-Ghia Porsche Dacon, dois utilizando a motorização 1.600 cc, que rendia 120 cv de potência, e dois utilizando a motorização 2.000 cc, que rendia 200 cv de potência. Com o grande aumento de potência, câmbio, freios e suspensões tiveram que sofrer mudanças e reajustes, para suportar a maior potência dos motores e os carros tiveram as suas carroceria modeladas em fibra de vidro, ao invés das confeccionadas em chapa originais. Goulart contratou pilotos como Emerson e Wilson Fittipaldi Júnior, Francisco Lameirão, José Carlos Pace, Anísio Campos e Carol Figueiredo, dentre outros grandes da época, para representar a nova equipe da sua concessionária nos campeonatos. Em um ano e meio de sua existência, a Escuderia Dacon venceu 5 das 10 competições das quais participou. Havia ainda planos de se construir um Karmann-Ghia Porsche Dacon com motor central de 250 cv de potência, equipado com freios a disco nas quatro rodas e carroceria totalmente confeccionada em fibra de vidro, mas o projeto acabou sendo abandonado. Com a vitória nas pistas brasileiras de corridas, a Dacon ganhou visibilidade, trazendo um ganho comercial logo de imediato: a Porsche alemã concedeu à concessionária a representação oficial da marca no Brasil (posteriormente, ela obteve também as representações oficiais de marcas como BMW, Citroën, British-Leyland e Maserati aqui no Brasil). A homologação da Dacon pela Porsche como revendedor e representante oficial desta no Brasil em 1970 foi um tanto quanto curiosa, pois foi feita na Alemanha na sede da empresa, em Stuttgart. Anísio Campos foi até a Alemanha para negociar com a Porsche, mas havia um grande entrave por questões fiscais e financeiras: no Brasil só poderiam entrar carros importados que custassem no máximo U$$ 3.500 e o Porsche mais barato (o 912) custava, naquela época, U$$ 4.000. A solução: Anísio então sugeriu que fossem retirados alguns itens que ele julgou supérfluos para um país como o Brasil, como o sistema de aquecimento, por exemplo, para tentar baratear o produto e enquadrá-lo nas normas brasileiras. Com isso, a Dacon finalmente obteve a licença de representação e comercialização dos produtos Porsche no Brasil, homologando o modelo 912E, modelo destinado à exportação para o mercado brasileiro.

Por estar ganhando praticamente todas as corridas e campeonatos Brasil afora com seus poderosos e até então imbatíveis Karmann-Ghia Porsche Dacon, outras equipes de automobilismo de fábricas, como a Equipe Willys, a Equipe Vemag, a Equipe FNM e a Equipe Simca começaram a boicotar a Escuderia Dacon, alegando que esta não era uma equipe de competições patrocinada pela fábrica, mas sim representava os interesses do dono da concessionária que levava seu nome. Além disso, conseguiram também com a Federação Brasileira de Automobilismo uma mudança no regulamento das corridas, proibindo modelos que não possuíam motor e câmbio originais, bem como protótipos. Com essa nova regulamentação, Paulo Goulart decidiu por encerrar a Escuderia Dacon do que continuar na disputa.

Como obteve grande know-how na personalização dos Karmann-Ghia para corridas, na década de 1970 a empresa passou a oferecer também a personalização de diversos outros modelos da VW, desde Fusca até Brasília, que ganhavam dupla carburação, volantes ingleses da marca Moto-Lita, toca-fitas Pioneer KP-500, equalizadores de som da marca Tojo, rodas de liga-leve com talas mais largas, detalhes de acabamento, catálogo de cores diferenciado, tomando por base o catálogo da linha Porsche, e itens de conforto. Com o lançamento do Passat, em 1974, a Dacon passou a fornecer também personalizações para o novo modelo da VW, tornando-o um dos carros chefes da empresa na década de 1980. 

Em 1976, logo após a VW ter encerrado a produção do SP/2, a Dacon recriou o carro utilizando o mesmo motor 1.6 de refrigeração líquida utilizado no Passat TS. Utilizando-se do projeto concebido e abandonado pela VW, a Dacon instalou este motor no lugar do antigo 1.700 Boxer refrigerado a ar, montado na traseira do carro, e o radiador de refrigeração do motor foi instalado na dianteira do veículo, no lugar do estepe, reduzindo a capacidade do porta-malas. A taxa de compressão do motor foi aumentada, elevando a sua potência para, aproximadamente, 100 cv. Com o novo ganho de potência, as suspensões tiveram que ser recalibradas, mas os demais elementos mecânicos permaneceram os originais do SP/2. Além disso, o carro ganhou instrumentos do Passat TS, bancos e revestimentos internos em couro, volante inglês Moto-Lita, ar condicionado e vidros verdes com comandos elétricos. Para se adaptar às modificações mecânicas (traseira mais alta e grade dianteira) e também para melhorar a estética do carro (entradas de ar para a refrigeração do motor mais discretas, ampliação da área envidraçada lateral, eliminação dos ressaltos e frisos laterais), a carroceria ganhou algumas modificações. Optou-se então por chamar este projeto de SP/3. Entretanto, com a suspensão da produção do modelo pela VW, acabou por inviabilizar esse novo projeto da Dacon.

A frustração com a sua versão para o SP/2 foi tamanha que a empresa decidiu voltar a concentrar seus esforços no recente lançamento do novo modelo da VW, o Passat, lançado em 1974. Utilizando por base o mais moderno produto comercializado no Brasil em termos de carros médios, a empresa desenvolveu diversos modelos. Em 1978, lançou duas novas station wagon baseadas no Passat, denominadas Break e disponíveis em versões de duas e quatro portas. A versão de duas portas era baseada nos Passat de três portas, tinha vidros laterais fixos, a tampa traseira do porta malas se assemelhava à utilizada pela Variant, e a coluna C trapezoidal, formato este que foi adotado anos depois pela Parati, da VW. A versão com quatro portas do carro era baseada no Passat de quatro portas, tinha a metade posterior do teto elevada em 6 centímetros, com estreitas lâminas de vidro na frente e nas laterias, e a tampa traseira do porta malas se assemelhava à utilizada pela Variant. Os dois carros eram oferecidos com grande número de opcionais disponíveis, desde faróis e lanternas retangulares (oriundos do Dodge Polara 1978), vidro térmico traseiro, pára-brisa dianteiro laminado e com faixa degradê, revestimentos internos e bancos em couro, ar condicionado e vidros elétricos. 

Na sequência do lançamento das station wagons, em 1979, a empresa lançou mais três versões personalizadas tomando por base o Passat, todos de duas portas, com as lanternas traseiras oriundas da Variant II e da Brasília, e dispondo opcionalmente da generosa lista de itens opcionais da Dacon. O primeiro modelo foi o 180 S (um hatch com um enorme vidro traseiro panorâmico, que se assemelhava ao do Porsche 924), o segundo modelo era o 180 D (um três volumes) e o terceiro era o 180 T (um falso targa, já que a seção central do teto não era desmontável, tendo meio teto fixo e meia capota de vinil). Junto com esses três novos modelos, veio também um Passat de quatro portas alongado, com o entre-eixos 25 centímetros maior. Três anos depois, os modelos eram renomeados e passaram a se identificar pelos números 820 (hatch), 821 (três volumes) e 822 (o targa). 

Em 1980, a VW lança um novo carro, destinado a substituir o Fusca no mercado interno brasileiro: era o Gol, um hatch de linhas retas e traseira truncada, bem à moda dos anos 1980. Aproveitando o lançamento do novo carro da VW, um ano depois de lançado, a Dacon lançou três modelos personalizados baseados no novo carro: o conversível (823), o targa e o primeiro utilitário da marca, o furgão F, no qual a porta traseira era substituída por uma peça feita sob medida e moldada em fibra de vidro. Se não ajudava muito na estética, pelo menos ampliava a capacidade de carga do automóvel. Lembrando que já ocorria tal modificação nos Passat de três portas. 

Em 1981, foi a vez da VW lançar um novo modelo de três volumes baseado no Gol: o Voyage. Neste mesmo ano, para aproveitar o lançamento do novo carro, a Dacon criou a versão targa, batizada pela empresa com o número 827.

No segundo semestre de 1981, com previsão de lançamento para 1982, Paulo Goulart e Anísio Campos começaram a projetar um novo automóvel urbano de dimensões muito compactas, hoje popularmente conhecido por city-car. O projeto tinha as seguintes premissas impostas por Paulo Goulart: desempenho satisfatório, economia de combustível, luxo e conforto dignos de automóveis grandes em um minicarro, baixa manutenção, facilidade de estacionamento, entre outras. Anísio Campos, designer já muito experiente naquela época e ex-piloto da Escuderia Dacon, começou a traçar os esboços de um minicarro com o formato da carroceria lembrando vagamente um ovo, com pequenas rodas de 10 polegadas de liga -leve, com as portas do motorista e do passageiro com um rebaixo para não raspar nas guias de calçadas das grandes cidades, utilizava as lanternas dianteiras e traseiras da Kombi, com os faróis dianteiros do Passat, chassis tubular em X e carroceria confeccionada em fibra de vidro. Em Janeiro de 1981, Anísio entregou o projeto à Paulo Goulart, que logo solicitou a Puma para que esta produzisse seu novo automóvel, em seus galpões da Avenida Presidente Wilson, em São Paulo. Enquanto isso, o empresário começou a nova construção de sua fábrica em Santana de Parnaíba, também em São Paulo.

Em 1982, o carro foi lançado, ganhando a denominação Dacon 828, que logo ficou conhecido por Mini Dacon 828. O pequeno carro utilizava a mesma e tradicional mecânica VW boxer refrigerada a ar, de 1.584 cc e que desenvolvia 54 cv de potência, com torque 11,5 kgfm máximos, motor e câmbio estes já utilizados nos Fusca's, Brasília's , Kombi's e Gol's da época. Seu chassi era a mesma plataforma do Fusca, encurtada em quase 78 centímetros, com as suspensões também da linha VW a ar (Variant II), bem como os freios, carroceria confeccionada em fibra de vidro, comprimento de apenas 2,65 metros, lugar para somente duas pessoas, rodas de liga-leve de 10 polegadas e pesava 600 kg.

O corpo da carroceria era construído em peça única, com a sua estrutura tubular, a dianteira também era uma peça única, aparafusada na carroceria, cantos traseiros independentes do resto do corpo da carroceria, tudo para facilitar a troca das peças em casos de colisões. Lanternas e grades vinham da Kombi, os faróis dianteiros retangulares eram do Passat, o limpador de pára-brisa dicava recolhido sob a borda do capô, sobre o qual abrigava uma portinhola que dava acesso ao tanque de combustível e ao reservatório de óleo para os freios. O banco, inteiriço, era o mesmo assento traseiro do Fusca 1600, o pneu reserva ficava posicionado na vertical, atrás desse banco, junto à lateral direita do carro. Os cantos inferiores das portas apresentavam um recorte, que tanto diminuía as chances do proprietário raspá-las nas guias das calçadas, como também ofereciam reforços na estrutura do veículo.

O 828 foi concebido para oferecer uma diversificada gama de motorizações, desde um motor bicilíndrico de 650 cc (tomando por base o motor VW 1300, mantendo os pistões opostos mais próximos do câmbio) até um potente quadricilíndrico de 2.100 cc, passando pelos já tradicionais 1.300 cc e 1.600 cc da VW. Apesar de ser um projeto muito interessante e bem executado, no mesmo ano de lançamento do carrinho a Dacon pediu concordata, alegando a grave retração do mercado ocorrida com a crise econômica de 1981, que restringiu o mercado de automóveis e elevou excessivamente os custos de sua produção, além de elevar também os custos da construção da nova fábrica e de sua nova sede, lembrando que os carros até então modificados pela empresa eram produzidos no galpão desta na Rua Helena, 29, em São Paulo. Por causa deste fato, Paulo Goulart descartou de imediato a possibilidade do carro ser equipado com o motor de menor cilindrada, focado na economia de combustível. Passou então a oferecer o carro apenas com o motor VW de 1.600 cc, dispondo de potência de sobra para garantir ao pequeno carrinho a agilidade nos trânsitos das grandes cidades brasileiras, oferecendo o luxo e o conforto de carros maiores em um carro de tamanho tão compacto. Em 1981, é inaugurada a nova fábrica da Dacon, destinada a produção dos novos carros e também a pintura dos mesmos.

Reposicionado, agora como um modelo destinado a compradores de maior poder aquisitivo e que não sentem tanto a crise econômica, o modelo tornou-se um "carro de luxo", que não tivessem que se preocupar com economia de combustível e que pudesse pagar pela exclusividade e originalidade de se ter um minicarro de luxo. Em 1983, foi relançado com motor VW 1.600, a álcool ou a gasolina, apenas na versão S (a mais luxuosa). Ao ser avaliado pela imprensa automotiva da época, o carrinho demonstrou ser estável, ágil e com interior surpreendentemente espaçoso, apesar de seu tamanho. Todos os moldes em fibra de vidro do carro e as primeiras 11 carrocerias foram produzidos na Puma, em sua fábrica da Avenida Presidente Wilson, em São Paulo. A partir da 12ª carroceria, até o final de sua produção, em 1985, os Mini Dacon foram produzidos na nova unidade industrial da Dacon, localizada em Santana do Parnaíba, recentemente pronta e inaugurada. Ao todo, de 1982 até 1985, estima-se que foram produzidos 48 carros.

No ano de 1984, a Volkswagen lançava o seu novo esportivo, o Gol GT 1.8, com o mesmo motor EA-827 de 1,8 litro utilizado pelo Santana. Nesse mesmo ano, Paulo Goulart funda uma nova empresa, a PAG - Projects d'Avant Garde, destinada a fabricar seus carros. Lançou nesse mesmo ano o PAG Dacon, um cupê esportivo com o desenho de forte inspiração nos Porsche 928 da época, para não dizer replicado, desenhado novamente por Anísio Campos. O novo carro tinha carroceria confeccionada em fibra de vidro e chapas de aço, com espaço para 4 ocupantes, utilizando o mesmo conjunto motor-câmbio do VW Gol GT 1.8, tração dianteira e freios dianteiros a disco. Para construí-lo, aproveitou-se toda a estrutura monobloco do Gol, inclusive o pára-brisa dianteiro e o esqueleto das portas, com o mesmo sendo então revestido pelas partes confeccionadas em fibra de vidro, compondo uma carroceria totalmente diferente da do carro original. Os faróis dianteiros vinham do Passat e as lanternas traseiras vinham da Kombi (como no Mini Dacon 828). O motor, apesar de ser o mesmo EA-827 AP-1800 já utilizado no Gol GT 1.8 e também no Santana 1.8, era ampliado para a cilindrada de 2.100 cc, passando a desenvolver 110 cv de potência e 14,8 kgfm de torque máximos. O acabamento interno era muito luxuoso e bem cuidado, com os bancos e os revestimentos internos em couro, como já era comum nos carros da marca.

Por ser um assunto extremamente interessante e longo, farei esse post em duas partes, com a primeira detalhando o começo da Dacon, em 1964, até 1984, ano em que a empresa lançou o PAG Dacon. Na segunda parte deste post irei comentar a fase da empresa correspondente aos anos de 1987 até o ano do encerramento de suas atividades, quando ela entrou em um processo de falência em 1996. Em 2001, seu mentor, dono e fundador, Paulo de Aguiar Goulart, acabou por falecer precocemente. Deixo aqui algumas imagens, bem como anúncios publicitários da época e, no segundo post, deixarei um vídeo do programa Shop Tour, do Galebe, de 20/09/1993, dentro da concessionária Dacon, anunciando o Porsche 911 Carrera 0km, bem como a primeira unidade do Golf GL que chegou ao Brasil, o Corrado VR6 2.8, e os Passat Sedan VR6 e Passat Variant VR6, modelo B3, com motorização 2.8 V6 12V. Deixarei também dois testes da Revista Auto Esporte do final da década de 1960, feitos com os Karmann-Ghia Porsche da Escuderia Dacon.

*créditos das imagens: José Carlos Gasparetto, Óbvio.Ind e Acervo Anísio Campos.



Abraços












































































































































































































































































































































































































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